sábado, 26 de abril de 2014

Pugilato verbal na Idade Média: cristãos x judeus

A rixa entre cristãos e judeus não remonta apenas ao período neo-testamentário. Em diferentes momentos na Idade Média-, o embate entre porta-vozes do Cristianismo e do Judaísmo agregou uma constelação de teólogos cristãos, entre os quais, o erudito Jerônimo e sábios judeus, especialmente rabinos, saindo-se muito bem nessas conturbadas querelas, por exemplo, R. Yehiel de Paris, que convocado por um dos Papas da época- foi inquirido  sobre as crenças que fundamentavam o Judaísmo. Participavam desses debates não apenas oponentes religiosos, mas rainhas, cardeais etc.
Por conta das dificuldades de tradução desses documentos para o português, o publico ledor desses registros limitou-se a brasileiros com conhecimentos de latim, francês alemão  e é claro, da língua inglesa.
A divulgação desses documentos em português, deve-se em parte ao significativo contributo prestado pela  editora Imago que na década de 90 publicou 'O judaísmo em julgamento'- Os debates judaico-cristãos na Idade Média, obra organizada por Hyam Maccoby. Desse compêndio, selecionei um trecho que reproduz a atmosfera desses debates. Leiamos.

A Vikuah de R. Yehiel de Paris:
Uma paráfrase
De Vikuah Rabenu Yehiel mi-Paris,
Grübaum, 1873.( ano de publicação)

No excerto que ora passo a transcrever, Donin, inquiridor autorizado pelo Papa (o documento não cita o nome do pontífice) -  faz a seguinte colocação a Yehiel:

Donin: O Talmude contém blasfêmias contra Jesus. Por exemplo, o Talmude diz que Jesus está no inferno e sua punição é ficar imerso em excremento fervente [b.Git, 56b]. (Voltando para a rainha e falando em francês.) Isto é para mostrar que nós cristãos, fedemos.

Yehiel: Nos últimos quinze anos, desde que vos afastastes de nós, tendes procurado armar ciladas, porém não haveis de ter êxito. Este  Jesus, mencionado aqui no Talmude, é outro Jesus e não aquele que os cristãos adoram. Este foi um certo Jesus que zombou das palavras dos Sábios e acreditava apenas no que está nas Escrituras, como vós. E é possível afirmar isso, pois ele não é chamado "Jesus de Nazaré, mas somente 'Jesus'. [...] 

O fragmento acima, e um pouco mais do que está facultado ao conhecimento de leitores e/ou pesquisadores - integra a obra que já referenciei anteriormente. Note-se, que no exemplo em destaque- uma rainha é citada e, em outros trechos da obra são feitas alusões a reis. Este pugilato verbal durou séculos, mas será que acabou? 
                                                       
                                                                 MACCOBY, Hyam. (org.) . O Judaísmo em Julgamento. Os    
                                                                 debates judaico-cristãos na Idade Média.Imago: Rio de Janeiro,
                                                                 1996.

                

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Língua literária e a correção idiomática

Considerar a língua literária como modelo de correção idiomática é algo polêmico nos debates atuais sobre linguagem. Em nosso país onde a maioria dos alunos do ensino fundamental e médio  apresentam deficiência de compreensão leitora, ficaria extremamente difícil prescrever um modelo de linguagem exemplar com base na língua literária, já que o contingente de leitores é ínfimo, e a compreensão do que se lê apresenta resultados pífios. Apesar disso, não abraço o radicalismo que não vê nos dias de hoje nenhuma possibilidade de a língua literária abalizar um modelo de língua exemplar que sirva de paradigma ao usuário do português do século XXI. Ao falar em língua literária, convém distinguir uma mais clássica, tal como a que se afigura em Camões, Camilo Castelo Branco, Machado de Assis etc; e outra contemporânea, perceptível por exemplo,em Clarice Lispector. Qual delas serveria bem às pretensões? 

   O professor Evanildo Bechara, filólogo e conceituado gramático, escreveu um texto intitulado  "A Norma Culta em Face da Democratização do Ensino" assim se expressa sobre a significativa contribuição da língua literária: "Algumas vezes, o escritor, pelo prestígio de sua cultura e difusão de sua obra ,passa a ser uma referência de modelo, quase sempre sem que isso  tenha alguma interferência ou consciência.Camões, por exemplo, não pretendeu com os Lusíadas servir de diapasão para os escritores de seu tempo e do seu século, e dos séculos seguintes mais próximos a ele. Mas a verdade é que a linguagem camoniana contribuiu para uniformizar muitas formas duplas, correntes ao seu tempo,dentre as quais o épico fez as suas escolhas,quase sempre certeiras.Assim é que, em vez de antre,o sufixo airo de contrário e a palavra piedade, Camões fixou definitivamente para a língua literária, a preposição entre,a forma contrário e a palavra piedade".
  
In: Miscelânia -80 anos de Adriano da Gama Kury. Ivette Savelli & Laura do Carmo. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2005, p. 89. 

Bandeira, amigo do rei

Em outubro do ano em curso, amantes e cultores da poética de Manuel Bandeira, na qual humildemente me incluo, verão completar-se o quadragésimo sexto ano de sua morte. Em 13 de outubro de 1968- O Jornal do Brasil noticiou a morte do poeta.Houve grande comoção entre os que vivenciaram esse momento. A ressonância de sua verve literária, sua poesia vibrátil continuam ainda a nos dizer: Fui-me embora para Pasárgada... Espero recordar-me disso e contar aos meninos e meninas nas aulas de literatura. VOU-ME EMBORA PRA PARSÁGADA Vou-me embora pra Parságada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Parságada Vou-me embora pra Parságada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana a louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive ...............................................